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Ultraprocessados aceleram em quase 30% o declínio cognitivo, mostra estudo brasileiro

Trabalho alerta para maior queda na cognição entre aqueles que consomem mais de 20% das calorias diárias em alimentos como refrigerantes e biscoitos.

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Uma dieta rica em alimentos ultraprocessados – como refrigerantes, salgadinhos e macarrão instantâneo – pode não apenas aumentar o risco para obesidade e doenças cardiovasculares, como também acelerar o declínio cognitivo. É o que mostra um estudo conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), apresentado ontem na Conferência Internacional da Associação de Alzheimer, nos Estados Unidos. De acordo com o trabalho, esse impacto na cognição é quase 30% maior entre aqueles que consomem mais de 20% das calorias diárias em ultraprocessados.

Os pesquisadores analisaram dados de 10.775 brasileiros entre 35 e 74 anos, durante um período de até 10 anos. As informações dos participantes foram retiradas do Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (Elsa-Brasil), um trabalho epidemiológico de âmbito nacional que acompanha cerca de 15 mil pessoas por instituições como USP, Fiocruz e outras universidades federais desde 2008.

Os participantes foram divididos em quatro grupos de acordo com a ingestão diária de ultraprocessados. Eles observaram que aqueles que mais consumiam os alimentos – com um volume superior a 20% do total de calorias no dia – apresentaram uma queda cognitiva 28% maior quando comparados aos que ingeriram menos de 20% da dieta. Foi constatado ainda um declínio das funções executivas – a habilidade de planejar e executar uma ação – 25% maior no grupo com alto consumo de ultraprocessados. O estudo ainda não foi publicado.

— É um achado muito importante, o estudo acompanhou um número muito grande de pessoas por muito tempo. Essa relação entre os alimentos e os impactos no cérebro vai na linha das últimas descobertas sobre o tema, mas traz evidencias fortes que foram encontradas no contexto brasileiro, o que é muito importante. Porque a dieta com muitos ultraprocessados acaba sendo de mais fácil acesso, então esse dado é importante no contexto financeiro e social do país — avalia a neurologista Jerusa Smid, coordenadora do Departamento Científico de Cognição da Academia Brasileira de Neurologia (ABN).

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Ela explica que a relação entre alimentação e o declínio cognitivo pode ser explicada porque o comprometimento que se entende como demência pode ter múltiplas causas. Embora a mais conhecida seja a doença de Alzheimer, grande parte é consequência de danos nos vasos sanguíneos do cérebro.

— Na população brasileira, esse insulto vascular como causa da demência é muito importante. Nós temos muitos casos de patologia múltipla, que envolvem demências com múltiplos fatores, como por um problema vascular associado a um quadro de Alzheimer — diz a especialista.

Segundo Jerusa, isso leva os alimentos de baixa nutrição, que são nocivos à saúde do coração, a serem prejudiciais também para o bem-estar cerebral. Ao mesmo tempo, pensar em medidas que cuidem da saúde cardiovascular também ajuda na prevenção de desfechos negativos para a cognição.

— Todo mundo pensa no coração, no risco de infarto, mas todos esses alimentos ruins também estão associados à saúde cerebral. Tudo que dez anos atrás nós sabíamos que era bom para o coração hoje sabemos que é bom também para o cérebro. Então controlar esses fatores de risco é muito importante, mantendo em nível adequado a taxa de açúcar no sangue, monitorando a pressão arterial, evitando a obesidade, hábitos que ajudam a evitar os problemas vaculares e, consequentemente, as demências — complementa a neurologista.

Ultraprocessados no consumo dos brasileiros

O impacto observado no estudo acende um alerta, uma vez que os alimentos do tipo representam cerca de 19,7% das calorias diárias consumidas pelos brasileiros com idade de dez anos ou mais. Segundo os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgados em 2020, a maior prevalência dos ultraprocessados na dieta é entre os adolescentes (26,7%), e a menor é entre os idosos (15,1%). Os autores do novo estudo, no entanto, estimam que hoje esse percentual na população geral pode estar entre 25% e 30%.

De acordo com o Ministério da Saúde, ultraprocessados são aqueles alimentos que envolvem formulações industriais e passam por uma série de processos antes de estarem próprios para o consumo. Eles são característicos pelo baixo teor nutricional, uma vez que são ricos em açúcar, calorias e aditivos químicos que intensificam o sabor e aumentam o prazo de validades.

De acordo com a POF, alguns dos mais consumidos pelos brasileiros são a margarina, os salgadinhos “de pacote”, os biscoitos salgados e doces, frios e embutidos, como o salame, sobremesas industrializadas, refrigerantes, cachorro quente, hambúrgueres e outros sanduíches. Pães de forma, caldos com sabor artificial e refeições congeladas também fazem parte da classe de alimentos, que deve ser evitados para não chegar a 20% das calorias ingeridas diariamente.

Segundo um estudo feito pelo Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde da USP (Nupens), o maior consumo desses produtos foi responsável por um aumento de 28,6% da obesidade no Brasil entre 2002 e 2009. O trabalho foi publicado neste ano na revista científica Journal of Public Health.

Ligação direta com demência

Embora o trabalho brasileiro aponte a aceleração do declínio cognitivo, um outro estudo recente, publicado na revista científica Neurology, comprovou que há de fato uma relação dos alimentos com o diagnóstico de quadros de demência. Os pesquisadores analisaram dados de cerca de 72 mil britânicos com em média 55 anos disponibilizados no UK Biobank.

Os participantes não tinham um diagnóstico de comprometimento na cognição durante o início do período da análise, que durou aproximadamente 10 anos. Os resultados após a década mostraram que a cada aumento de 10% na participação dos ultraprocessados na dieta diária, o risco para desenvolvimento de demência subiu 25%.

“Os alimentos ultraprocessados ​​são feitos para serem convenientes e saborosos, mas diminuem a qualidade da dieta de uma pessoa. Esses alimentos também podem conter aditivos alimentares, moléculas das embalagens ou produzidas durante o aquecimento, todos fatores os quais demonstraram em outros estudos ter efeitos negativos sobre as habilidades de pensamento e memória. Nossa pesquisa não apenas descobriu que os alimentos ultraprocessados ​​estão associados a um aumento do risco de demência, mas descobriu que substituí-los por opções saudáveis ​​pode diminuir o risco de demência”, explica o autor do estudo Huiping Li, pesquisador da Universidade Médica de Tianjin, na China, em comunicado.

Com informações O Globo

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