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Por que os EUA têm tantos tiroteios em massa?

De 1998 a 2019, os Estados Unidos tiveram 101 tiroteios em massa. Todos os outros países desenvolvidos do ranking tiveram menos que oito.

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Na quinta-feira 26, um repórter britânico chamado Mark Stone, fez uma entrevista rápida com o célebre senador texano Ted Cruz, que já foi candidato do Partido Republicano à Presidência dos Estados Unidos. Cruz participava de uma vigília de oração em Uvalde, no Texas, em homenagem às vítimas do tiroteio em massa que ocorreu em uma escola na cidade na última terça-feira.

O repórter perguntou ao senador: “Por que isso só acontece no seu país? Muitas pessoas ao redor do mundo simplesmente não conseguem entender isso. Por que apenas nos Estados Unidos? Por que esse excepcionalismo americano é tão horrível?”

Cruz respondeu apenas: “Sabe de uma coisa? Você tem sua agenda política. Deus te ama”. E saiu andando.

No entanto, dados provam que o excepcionalismo dos tiroteios em massa americanos não fazem parte de uma agenda política. Segundo levantamento do professor Jason Silva, da William Paterson University, dos países desenvolvidos, os Estados Unidos são o que, de longe, tem mais incidentes como o que aconteceu na Robb Elementary School nesta semana.

De 1998 a 2019, os Estados Unidos tiveram 101 tiroteios em massa. Enquanto isso, a França, a segunda colocada, teve oito. A lista segue: Alemanha teve cinco, Canadá teve quatro, Finlândia, três, Bélgica dois – a quantidade de incidentes só diminui.

Por que há tantos tiroteios em massa nos Estados Unidos?

Armas demais

Pode parecer óbvio, mas geralmente há uma relação direta entre o número de armas nas mãos da população e a quantidade de incidentes trágicos envolvendo armas em um país.

Os americanos representam cerca de 5% da população global, mas possuem 42% das armas do mundo. De 1966 a 2012, 31% dos homens armados em tiroteios em massa em todo o mundo eram americanos, de acordo com um estudo de 2015 de Adam Lankford, professor da Universidade do Alabama.

Apenas o Iêmen tem uma taxa mais alta de tiroteios em massa entre países com mais de 10 milhões de pessoas. O Iêmen tem a segunda maior taxa de posse de armas do mundo, depois dos Estados Unidos.

Com números um pouco mais atualizados (de 2019), a pesquisa de Silva mostra que para cada 100 americanos, existem 125 armas. No Canadá, são 40, e na França e Alemanha, cerca de 20.

Ambos os estudos indicam que, em todo o mundo, a taxa de posse de armas de um país se correlaciona com a chance de ocorrer um tiroteio em massa. A relação se mantém mesmo quando os Estados Unidos são excluídos, indicando que a quantidade elevada de incidentes do tipo não pode ser explicada por algum outro fator americano específico.

Além disso, o resultado foi o mesmo quando taxas de homicídio foram retiradas da conta, sugerindo que os tiroteios em massa são mais bem explicados pelo acesso de uma sociedade a armas do que pelo nível geral de violência.

Leis de menos

Também é certo que outros países desenvolvidos normalmente exigem pelo menos uma licença para que um cidadão possa comprar possuir uma arma – isso se a posse de armas é permitida. Já nos Estados Unidos, nem sempre é necessária uma verificação de antecedentes para comprar uma arma, resultado de ineficácia da máquina pública e de brechas legais.

Leis mais rígidas sobre armas podem reduzir mortes por armas de fogo. Após o Massacre de Dunblane, na Escócia, em 1996, no qual um atirador matou 16 alunos do ensino fundamental e um professor, o governo britânico proibiu as armas de fogo. Depois do Massacre de Port Arthur, na Austrália, no mesmo ano, o governo australiano introduziu leis rigorosas sobre armas, incluindo a proibição da maioria das armas semiautomáticas e automáticas, bem como restrições de licenciamento e compra.

Um massacre em Utoya, na Noruega, em 2011, levou o governo a proibir armas de fogo semiautomáticas, apesar de anos de oposição de um lobby de caçadores bem organizado. Após os tiroteios de Christchurch, em 2019, o governo da Nova Zelândia aprovou restrições rigorosas à posse de armas e anunciou um programa de recompra. Já os Estados Unidos, com seus mais de 100 tiroteios em 10 anos (ao menos 10 em escolas), não foi muito longe para combater o problema no campo legislativo.

Herança histórica

É um pouco diferente combater o lobby das armas nos Estados Unidos. As razões estão enraizadas no movimento pelos direitos civis da década de 1960, particularmente com o fim da segregação racial, que provocou uma reação reacionária entre os eleitores brancos, particularmente no sul, que viram isso como um exagero da Suprema Corte e do governo federal.

“Direta e indiretamente, os conflitos sobre os direitos civis moldaram os entendimentos modernos da Segunda Emenda”, parte da Constituição que preserva o direito de possuir uma arma, escreveu Reva Siegel, pesquisadora de direito constitucional da Yale Law School, na revista Harvard Law Review.

A lei tornou-se uma fonte de “contra-direitos” individuais, por meio da qual os conservadores poderiam buscar proteção nos tribunais – um contrapeso aos litígios de grupos progressistas sobre segregação e outras questões. Isso transformou o controle de armas em uma questão política altamente relevante para os conservadores americanos, de uma forma que diferencia os Estados Unidos de outras nações ricas.

As leis de controle de armas no Reino Unido, Austrália e Noruega foram todas aprovadas por governos conservadores. Nos Estados Unidos, por outro lado, a questão é tão saliente e tão partidária que abraçar o direito às armas é praticamente um requisito para os políticos republicanos que tentam provar seu conservadorismo aos eleitores.

Mesmo que esse cenário político mude, os tribunais americanos ainda serão um problema. Como escreve Adam Winkler, da Universidade da Califórnia Los Angeles (UCLA), no livro “Gunfight: the Battle over the Right to Bear Arms in America”, as crescentes indicações de juízes conservadores remodelaram o poder judiciário, criando uma instituição que consagra o amplo direito da Segunda Emenda.

O tiroteio do Texas, onde 19 crianças pequenas e dois adultos morreram, chama a atenção para o poder e o perigo do movimento pró-armas. Mas mudar as circunstâncias atuais é um trabalho de décadas.

Por Veja

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