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Movimentar o corpo pode ajudar a reduzir a ansiedade? Com exercícios leves, sim

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Quando Jennifer Heisz estava na pós-graduação, ela pegou emprestada a velha e enferrujada bicicleta de um amigo e acabou redirecionando sua carreira. Na época, ela estudava neurociência cognitiva, mas insatisfeita com o rumo de seu trabalho e sua vida pessoal, começou a vivenciar o que ela agora reconhece como uma “ansiedade muito grave”, segundo me disse recentemente. Sua amiga, então, sugeriu andar de bicicleta para aliviar os sintomas. Antes nada esportista, ela começou a pedalar com entusiasmo, e achou que “acalmou minha mente”, segundo disse.

Essa descoberta convenceu Heisz a mudar o foco de sua pesquisa. Agora diretora do NeuroFit Lab na Universidade McMaster em Hamilton, Ontário (Canadá), ela estuda a interação da saúde física com a emocional, e como o exercício ajuda a evitar ou tratar depressão, ansiedade, estresse e outras condições de saúde mental.

“Os efeitos do movimento na mente são amplos e fascinantes”, disse a dra. Heisz.

Essa ideia anima seu novo livro, “Move the Body, Heal the Mind” (Mova o corpo, cure a mente, em português), que narra em detalhes a ciência mais recente sobre exercícios e saúde mental, bem como a jornada da autora da inatividade e das crises emocionais em série ao treinamento de triatlo e o aumento da tranquilidade.

Recentemente, conversei com a dra. Heisz para falar sobre seu livro e o que ele pode nos dizer sobre saúde mental, os benefícios do exercício leve, as tensões dos anos de pandemia e como escolher o treino certo, agora, para aumentar seu ânimo. Abaixo, a nossa conversa, editada.

Podemos falar sobre exercícios e ansiedade, que muitas pessoas sentem hoje em dia? O exercício é extremamente benéfico para reduzir a ansiedade. No final de cada treino, na verdade, você normalmente tem um breve alívio da ansiedade, devido ao neuropeptídeo Y, que aumenta com o exercício. É um fator de resiliência. Ele ajuda a acalmar a amígdala, que é a parte do cérebro que reconhece o perigo e nos coloca em alerta máximo. Nos últimos anos, com a pandemia, nossa amígdala esteve ansiosa, em hiperalerta, desencadeando uma reação quase constante ao estresse.

Essa cronicidade do estresse começa a deixar nossas mentes realmente com medo, e você acaba com uma ansiedade constante. O exercício, ao regular o neuropeptídeo Y, ajuda a acalmar a amígdala cerebral, diminuir o medo e a hipervigilância e nos manter mais calmos.

Algum tipo específico de exercício? O mais legal é que exercícios leves a moderados, como caminhar, são suficientes. Pesquisas do meu laboratório mostram que esse tipo de exercício reduz a ansiedade imediatamente após o treino e, com o tempo, se você continuar se exercitando, reduz a ansiedade ainda mais e por mais tempo. Parece que cerca de 30 minutos desse tipo de exercício três vezes por semana já serve. Caminhar, andar de bicicleta, nadar, dançar –uma grande variedade de atividades funciona.

E quanto a treinos mais intensos? Você precisa ter cuidado com exercícios muito intensos e ansiedade. Se você está sentindo ansiedade, já está sob estresse. O exercício de alta intensidade também é um tipo de estresse. Mas nossos corpos só têm, em geral, uma resposta ao estresse. Então, durante o exercício intenso, você adiciona estresse físico extremo ao estresse que seu corpo já está sentindo, e tudo isso pode ser demais. Logo antes da pandemia, eu treinava para um triatlo e fazia muitos treinos de alta intensidade. Mas assim que a pandemia começou eu estava sentindo tanto estresse emocional que não conseguia terminar esses treinos. Então, recuei. O que eu diria às pessoas é que, quando você já está se sentindo estressada, o exercício prolongado e intenso talvez não seja a opção certa.

O que você recomenda que as pessoas façam? Procure fazer exercícios que pareçam confortavelmente desafiadores, para que sua frequência cardíaca seja elevada, mas não acelerada. Para muitas pessoas, isso significa uma caminhada rápida pelo parque ou pelo quarteirão.

O exercício ajuda da mesma forma contra a depressão? Classicamente, a depressão tem sido atribuída à falta de serotonina no cérebro, o que os antidepressivos tratam. Mas para algumas pessoas com depressão as drogas não funcionam bem, provavelmente porque a serotonina não é o seu problema. Muitos estudiosos da depressão agora pensam que o problema pode envolver inflamação, que está ligada ao estresse. A inflamação começa a danificar as células do corpo, induzindo uma resposta imune e aumentando a inflamação, que pode então entrar no cérebro, afetando o humor. Para essas pessoas, o exercício pode ser o remédio de que precisam, pois ajuda a combater a inflamação. Em estudos, quando os indivíduos que não respondem aos antidepressivos começam a se exercitar, geralmente têm reduções significativas dos sintomas.

De quanto exercício estamos falando? Um estudo que analisou a frequência, ou de quanto exercício alguém precisa para combater a depressão, comparou 150 minutos de exercícios moderados a vigorosos por semana, que é a recomendação padrão de exercícios para a saúde física, com um quarto disso. E ambos os grupos se beneficiaram da mesma forma. Então, parece que a prescrição de exercícios para a saúde mental é menor do que para a saúde física, o que é bem legal.

Em termos de ajudar a combater potencialmente a depressão, você acha que a intensidade do exercício é importante? Pode ser. Nós realizamos um estudo há alguns anos com alunos saudáveis que estavam enfrentando exames finais, com alta pressão. Alguns deles andavam de bicicleta ergométrica moderadamente três vezes por semana durante 30 minutos e outros faziam ciclismo intervalado mais curto e mais intenso. Um terceiro grupo não se exercitou.

Depois de seis semanas, os alunos que não tinham se exercitado apresentavam sintomas de depressão bastante graves, que surgiram com uma rapidez chocante e, presumivelmente, devido ao estresse acadêmico. Os alunos que se exercitaram moderadamente, no entanto, estavam menos estressados do que no início do estudo, e os níveis de inflamação de seus corpos eram mais baixos. Mas o que é realmente interessante para mim é que os exercícios intensos mostraram sintomas de aumento do estresse, tanto físico quanto mental. Portanto, parece que o exercício moderado pode ser o mais benéfico para a saúde mental.

Você fala francamente em seu livro sobre suas próprias crises de ansiedade, estresse e transtorno obsessivo-compulsivo, inclusive após o nascimento de sua filha e, mais tarde, seu divórcio. O exercício a ajudou a lidar com isso? É a chave. A doença mental pode acometer qualquer pessoa, mesmo as que parecem estar lidando bem com as coisas. Para mim e muitos outros, as transições da vida, como divórcio e parto, podem ser especialmente desafiadoras. Depois do meu divórcio, eu realmente precisava de algo para redirecionar minha vida. E eu sabia que o exercício, como estímulo, altera o cérebro de forma poderosa. Alguém mencionou triatlo. Eu ainda estava pedalando na época. Então, acrescentei corrida e natação.

E se classificou para o Campeonato Mundial. Afinal, sim. Mas levou anos. Depois os campeonatos foram adiados pela pandemia e agora estou fora de forma e vou ter que começar a treinar tudo de novo. Mas isso é algo de se esperar, realmente. O que eu acho é que, em tempos como estes, há alívio no exercício. Nos momentos de paz depois de um treino, a esperança está viva. Você sente que o mundo está certo novamente. E isso é realmente especial.

via-Folha de SP

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