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Lideranças indígenas do AC lamentam suspensão de festivais devido à pandemia: ‘nossa cultura’

Festivais e celebrações movimentavam economia dentro das aldeias, inclusive com visitas de estrangeiros. Líderes falam ainda das medidas restritivas adotadas para evitar a proliferação do novo coronavírus e a dificuldade em fazer com que os indígenas sigam o distanciamento social.

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“O indígena é um povo que sempre está muito junto e com a pandemia ficamos mais afastados com medo de pegar a Covid-19 e transmitir para as famílias”. O desabafo é de Toya Manchineri, um dos representantes do Povo Manchineri no Acre.

Nesta segunda-feira (19), é comemorado o Dia do Índio e, desde que a pandemia começou, é assim, com medo constante de se infectar e mantendo o distanciamento, que os povos indígenas tentam sobreviver à Covid-19 na comunidades acreanas.

A doença mudou o convívio nas aldeias, suspendeu atividades consideradas rotineiras, como cultos, celebrações e festivais, que ajudavam a arrecadar recursos com a venda do artesanato e outras produções dos indígenas. A saída para a área urbana ficou limitada a pequenos grupos que ficam responsáveis pelas compras e retirada de auxílios. As aldeias foram bloqueadas e a presença do não indígena foi proibida.

O presidente da Federação do Povo Huni kui do Acre (Fephac), Ninawá Inu Huni kui, fala que as comunidades em geral tiveram que se reinventar para tentar ficar unidas, pois o distanciamento social e a proibição das festividades foram as maiores dificuldades em uma cultura em que a união é o que mais se prega.

“Muitas comunidades começaram a fazer algo que não é comum para o indígena, que é ficar isolado, dentro de casa e sem contato com outros indígenas. As mães não puderam ir na casa dos filhos, as festividades, que são momentos de alegria nas comunidades, foram canceladas e isso acabou gerando um impacto. A visita de outras pessoas, tanto brasileiros como estrangeiros, tudo ficou proibido e isso teve um impacto bem amplo para os artesãos”, diz Ninawá.

Até o dia 16 deste mês, o Acre contabiliza 2.571 casos de Covid-19 entre 14 povos indígenas atingidos pela doença. Os dados são da Comissão Pró-Índio, que revelam que 30 indígenas não resistiram à doença e morreram.

Cultos, celebrações e festivais tiveram que ser cancelados após o surgimento de casos de Covid-19 nas aldeias — Foto: Arquivo/Fephac

Cultos, celebrações e festivais tiveram que ser cancelados após o surgimento de casos de Covid-19 nas aldeias — Foto: Arquivo/Fephac

Falta de apoio

Um dos representantes do povo shanenawá, localizado na região de Feijó, no interior do Acre, Eldo Shanenawá, disse que na primeira onda da doença no Acre mais de 90% do povo foi infectado. Segundo ele, os indígenas tinham pouco apoio dos governos e nem dos representantes da saúde.

“A saúde não podia fazer muita coisa, porque não tinha apoio de ninguém. Muita gente acha que só quem cuida da saúde indígena é a Sesai e a Casai, mas não é. Fazemos parte do Acre, do município, dependemos da saúde do município e do estado. A gente ainda continua invibializado, sem apoio dos governantes e do poder público”, critica.

Projetos levam assistência com alimentação e material de higiene para comunidades indígenas do Acre — Foto: Ninawá Inu Huni kui/Fephac

Projetos levam assistência com alimentação e material de higiene para comunidades indígenas do Acre — Foto: Ninawá Inu Huni kui/Fephac

Projetos sociais

Em mais de um ano de pandemia no Acre, várias ações e campanhas foram desenvolvidas por organizações indígenas, líderes das comunidades, sociedade civil e outros para arrecadação de recursos para compra e distribuição de kits de cesta básica, produtos de higiene pessoal, ferramentas de plantio e materiais de pesca para que os moradores da floresta pudessem fortalecer a produção local.

Uma dessas ações é o projeto social Combate à Covid-19 nas aldeias Huni Kui. O objetivo é tentar proteger e evitar que o novo coronavírus se prolifere nas comunidades. Desde o início da pandemia, ao menos 16.450 índios da etnia huni kui já foram atendidos pela ação.

“É um projeto de medidas preventivas para tentar conter o avanço da Covid-19 nas aldeias. É uma ação que presta auxílio tanto com alimentos, como proteção, para tentar manter as comunidades informadas e longe do contágio da doença”, complementa o presidente da Fephac, Ninawá.

Além de evitar a exposição das famílias ao vírus em viagens às cidades para fazer compras, os líderes explicam que as ações sociais visam ainda manter a produção e a vida sustentável dentro das aldeias. O líder indígena, fala que a falta de assistência no início da pandemia fez com que os povos se unissem e ajudassem uns aos outros a sobreviver à Covid-19.

“O índio está ajudando o índio. Foi uma calamidade pública, preocupação, fortalecimento da cultura, da união e vejo que o que mudou no povo foi a unificação que fortaleceu cada vez mais. Produzimos mais, as crianças que só iam para escola aprenderam a plantar e colher as sementes, as safras foram boas, de milho, mandioca, banana”, acrescenta o líder do povo shanenawá, Eldo.

Um dos representantes do povo manchineri, Toya Manchineri, disse que a ajuda veio de todos os lados e que os indígenas ainda tentam se reerguer por causa dos impactos da pandemia nas aldeias.

“O movimento indígena levou muito auxílio às populações indígenas do estado, inclusive a Mamoadate, para que as famílias ficassem lá. Foram doadas cestas básicas, equipamentos de proteção individual, foi instalada uma mini Urap com enfermaria e equipamentos para atendimentos na própria comunidade”, falou o líder.

Ele falou ainda que a sociedade e os próprios índios tem se ajudado. “Houve toda uma movimentação dos indígenas com a sociedade civil, que isso também fez com que os atendimentos fossem feitos e muitas vidas poupadas. Foi índio ajudando índio e a sociedade organizada.”

Menos de 60% dos indígenas aldeados já foram vacinados contra a Covid-19 — Foto: Arquivo/Dsei Purus

Menos de 60% dos indígenas aldeados já foram vacinados contra a Covid-19 — Foto: Arquivo/Dsei

Vacinação

Após menos de três meses desde o início da vacinação, o Acre imunizou cerca de 54,5% dos indígenas que vivem em aldeias contra a Covid-19. Segundo dados repassados ao G1 pelos Distritos Sanitários Especiais do Alto Rio Purus e Alto Juruá, pouco mais de 6,7 mil receberam a primeira dose e 4,4 mil a 2ª dose, do total de mais de 12,3 mil.

Entre os motivos para esse percentual de imunização está a questão da logística para que as equipes de saúde cheguem até as localidades, que são de difícil acesso e a maioria com acesso somente fluvial. Em alguns casos, as equipes chegam a ficar oito dias viajando para chegar.

Outra situação é que em alguns casos foi encontrada resistência por parte dos indígenas para receber o imunizante, mas, após todo um trabalho de conversa e explicações, eles têm aceitado. Essas situações são mais comuns em comunidades mais próximas da cidade, onde chegaram informações desencontradas a respeito da vacinação.

Segundo os dados divulgados pelo governo do estado, do total de 40.760 vacinas recebidas no primeiro lote no Acre, no dia 19 de janeiro, 24.834 unidades foram destinadas aos mais de 12,4 mil índios aldeados com idade acima de 18 anos, para primeira e segunda dose.

Aldeias foram fechadas para evitar a proliferação do novo coronavírus — Foto: Arquivo Aldeia Nova Esperança/Yawanawa

Aldeias foram fechadas para evitar a proliferação do novo coronavírus — Foto: Arquivo Aldeia Nova Esperança/Yawanawahttps://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Inundações

Além da Covid-19, outro problema atingiu fortemente as comunidades indígenas do Acre. Mesmo com boas safras em 2020, a liderança do povo shanenawá, Eldo, fala que muitos perderam as plantações durante a  enchente histórica que afetou dez cidades do Acre no mês de fevereiro. Os povos perderam plantações de legumes, frutas e verduras, o que causou mais uma preocupação.

“Em algumas aldeias tivemos a preocupação da segurança alimentar, porque a enchente veio e levou nossa produção do ano passado. Se perderam sementes, plantações de legumes e tudo mais. Isso também foi uma mudança para nós”, lamenta.

Dos 12 territórios apenas do povo huni kui nove foram atingidos pela enchentes nas cidades de Tarauacá, Feijó, Santa Rosa do Purus e Jordão. No total, 94 aldeias e mais de 500 famílias indígenas foram afetadas diretamente nas comunidades.

“Para ajudar essas famílias, o povo indígena está desenvolvendo um projeto para arrecadar recursos e ajudar no sustento. “Não temos um levantamento concreto de todo prejuízo na produção agrícola, mas teve comunidade que perdeu 25 pés de banana em um único território. Amendoim, que é uma tradição do povo huni kui, teve produção que se perdeu 18 toneladas, fora macaxeira e casas que foram completamente destruídas”, acrescenta.

Indígenas perderam plantações e milho, mandioca, legumes, frutas e verduras  — Foto: Arquivo

Indígenas perderam plantações e milho, mandioca, legumes, frutas e verduras — Foto: Arquivo

Via G1

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