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Leonardo DiCaprio cita abertura de estrada ilegal do lado peruano que ameaça indígenas no Alto Juruá

Ainda em agosto, indígenas acreanos e peruanos apesentaram documentos mostrando desmatamento com abertura de estrada. No Acre, mais de 2,3 mil indígenas devem ser afetados, além da Reserva Extrativista Alto Juruá.

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O ator norte-americano Leonardo DiCaprio usou mais uma vez suas redes sociais para chamar atenção a um tema relacionado à Amazônia. Desta vez, em seu perfil no Instagram, ele citou o dossiê, apresentado por indígenas do Acre e do Peru, que denuncia a abertura ilegal de uma estrada peruana e ameaça comunidades indígenas do Acre, além de moradores da Reserva Extrativista do Alto Juruá, no interior do estado.

O documento intitulado: “Uma grande ameaça para os povos indígenas do Yurua, Alto Tamaya e Alto Juruá” é assinado pela Associação Ashaninka do Rio Amônia (Apiwtxa); Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-Acre) e Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá (OPIRJ), além de mais oito entidades indígenas peruanas.

“A construção de estradas ilegais por uma empresa madeireira na Amazônia peruana está causando poluição da terra e pilhagem ilegal de recursos naturais, e abrindo esta parte da Amazônia para mais invasões, ameaçando as casas, meios de subsistência, culturas e vidas dos povos indígenas de Sawawo e Aconadysh.”

Imagens mostram avanço do desmatamento na fronteira do Acre e Peru — Foto: Arquivo pessoal

Dossiê

Nas denúncias, os indígenas falam sobre a abertura ilegal do trecho da estrada UC-105, que vai de Nueva Italia a Puerto Breu, no Peru, por empresas madeireiras e outros grupos. O dossiê também expõe uma série de documentos oficiais, mapas e falas das lideranças, que mostram o risco que este empreendimento representa para os povos indígenas e comunidades tradicionais da região.

Sawawos percorrem a estrada e acionaram os ashaninkas do lado acreano para falar sobre o problema — Foto: Arquivo pessoal

Sawawos percorrem a estrada e acionaram os ashaninkas do lado acreano para falar sobre o problema — Foto: Arquivo pessoal

A comunidade Breu fica na fronteira com a cidade de Marechal Thaumaturgo, município isolado acreano. Segundo as associações, essa estrada foi aberta há alguns anos para transporte de madeira, porém, se mantinha fechada.

Agora, estão reabrindo a estrada sem nenhum projeto ou trâmite burocrático. Nas últimas semanas, invasores se aproximaram da terra dos ashaninkas. Segundo eles, são madeireiros e grupos que agem de forma ilícita na região.

G1 teve acesso à denúncia do povo Sawawo, do Peru, que protocolou um documento alertando as autoridades responsáveis pelo Meio Ambiente no país no dia 11 de agosto. O documento já revela maquinários e invasões nas terras indígenas do país.

Os ashaninkas do lado acreano foram acionados. Vídeos, divulgados pela associação, mostram a evolução desse desmatamento e eles também encontraram indícios de acampamento e maquinários usados para as derrubadas.

Indígenas encontram estrada aberta e temem invasão nas comunidades  — Foto: Arquivo pessoal

Indígenas encontram estrada aberta e temem invasão nas comunidades — Foto: Arquivo pessoal

“No começo de agosto de 2021, o Comitê de Vigilância da Comunidade de Sawawo (Hito 40) confirmou à Associação Ashaninka do Rio Amônia – Apiwtxa, que à frente de abertura da estrada UC-105 (Nueva Italia-Puerto Breu) já se encontra a aproximadamente 11,3 km da fronteira com o Brasil, às cabeceiras do Rio Amônia, ameaçando inclusive a soberania nacional brasileira. No início de agosto de 2021, o Comitê de Sawawo realizou uma expedição no rio Amônia para verificar as ações ilegais das madeireiras na região e identificar o tamanho do impacto, quantidade de máquinas, qual empresa é responsável e quantos trabalhadores há no local”, destaca o dossiê.

Crimes na fronteira

Francisco Piyãko, liderança Ashaninka da Apiwtxa, diz que a reabertura dessa estrada deve acabar interferindo no aumento de crimes na fronteira, além do impacto ambiental nas comunidades nativas.

“O impacto disso será muito grande, com a migração de grupos ao longo desta rodovia, trazendo para próximo da nossa fronteira e para a cabeceira dos nossos rios, extração de madeira ilegal, tráfico de drogas e outras ações ilícitas”, destaca.

Uma comissão de organizações de apoio aos povos indígenas do Peru esteve no local, no dia 6 de agosto, segundo Apiwtxa, e apurou os relatos de invasão da última semana.

“É possível ver o caminho aberto pelas máquinas, de forma ilegal, pelo território do povo Ashaninka da comunidade Sawawo Hito 40. As organizações constataram que o grupo de Sawawo já está sofrendo ameaças e o trânsito de tratores por seu território está ocorrendo sem eles poderem impedir”, pontuou a organização.

Maquinários foram encontrados pelos sawos na fronteira do Acre com o Peru  — Foto: Arquivo pessoal

Maquinários foram encontrados pelos sawos na fronteira do Acre com o Peru — Foto: Arquivo pessoal

Perigo à Resex e aos indígenas

As lideranças acreanas informaram que mais de 2,3 mil indígenas devem ser afetados, já que a estrada deve afetar todas as cabeceiras dos rios e, consequentemente, todas as terras indígenas de Marechal Thaumaturgo.

Moradores da Reserva Extrativista do Alto Juruá, que está localizada no extremo oeste do estado do Acre, no município de Marechal Thaumaturgo, também devem ser afetados com a estrada ilegal. Ao longo do último século, a população local tem se ocupado com atividades de subsistência (agricultura, caça, pesca, e artesanato), e com atividades comerciais (borracha). Com o declínio do comércio da borracha na década de 80, a agricultura ganhou força.

“Como coordenador da OPIRJ, nós estamos percebendo que esta região do Juruá, além da estrada, representa um processo de construção sem levar em conta os cuidados, sem consulta às comunidades, sem estudo prévio. Tudo isso representa uma ameaça para nossa população. O que pode gerar um empreendimento como esse? É a abertura para muitas coisas ruins para uma região como essa. Nós estamos em uma região que estamos precisando fazer um debate coordenado, articulado com várias intuições e comunidades locais para pensar qual o desenvolvimento desta região que é necessário fazer. Quando se abre uma estrada, isso a gente conhece, ela não traz benefício para as comunidades locais. Isto está mais do que claro. Ela traz uma oportunidade para que os interesses de fora consigam acessar as riquezas locais. Ela transforma as comunidades locais em mão de obra. Vai destruir o modo de vida das comunidades”, enfatiza Piyãko.

Atualmente, segundo informações do governo federal, a unidade de conservação tem mais de 528 mil hectares e 18,4 mil habitantes.

“O que ameaça uma região dessas é essa aproximação de fora para cá, com outros modos de vida, com outros valores, com outras coisas que vai querer sobrepor esse jeito de viver aqui, e esse talvez seja o lugar do mundo que tem uma qualidade que está tão pura, que não tem o mercúrio, que não tem nenhuma contaminação. A água é pura, você pode beber, você pode andar, você pode vir e comer peixe, a caça”, pontua Piyãko no dossiê.

Francisco Piyãko, do Povo Ashaninka e coordenador da OPIRJ, diz que estrada não traz benefícios para as comunidades  — Foto: Eliane Fernandes

Francisco Piyãko, do Povo Ashaninka e coordenador da OPIRJ, diz que estrada não traz benefícios para as comunidades — Foto: Eliane Fernandes

As terras indígenas afetadas são:

  • Terra Indígena Kampa do Rio Amônia: Povo Ashaninka
  • Terra Indígena Apolima-Arara do Rio Amônia: Povo Apolima-Arara
  • Terra Indígena Jaminawa/Arara do rio Bagé: Povo Jaminawa/Arara
  • Terra Indígena Kaxinawá/Ashaninka do Rio Breu: Povo Huni Kuī e Ashaninka
  • Reserva Extrativista do Alto Juruá: Povo Kuntanawa, extrativistas e ribeirinhos dos rios Breu, Tejo, Juruá e Arara

Os documentos foram encaminhados tanto para a Fundação Nacional do Índio (Funai), como para autoridades peruanas. O G1 entrou em contato com o Consulado Peruano e não recebeu resposta, mas a Funai informou que o caso está sendo analisado pelas áreas técnicas do órgão para que sejam encaminhados à Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (IBAMA) e aos Ministérios da Defesa e das Relações Exteriores.

“A fundação esclarece que, por se tratar de área transfronteiriça e de possível ameaça à soberania nacional, são necessárias mediações e acordos diplomáticos com o Peru, tendo em vista se tratar de trecho rodoviário em execução apenas em território peruano. A Funai esclarece ainda que permanecerá dando todo o suporte necessário à elaboração dos Planos de Proteção Territorial das Terras Indígenas da região e realizará os encaminhamentos que forem necessários junto aos órgãos competentes”, enfatizou em nota.

Por G1

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