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Garimpeiros brasileiros invadem área ianomâmi na Amazônia venezuelana

"Estão destruindo a biodiversidade, matando tudo o que há, água, terra, contaminando, queimando toda a floresta Amazônica".

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Garimpeiros brasileiros têm cruzado a fronteira para explorar ouro em terras ianomâmis na Venezuela. Para a manutenção do esquema, há pagamento de subornos em ouro ao Exército da Venezuela e a dissidentes das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Procurado para dar esclarecimentos, o governo de Nicolás Maduro não se pronunciou sobre as acusações.

Segundo a reportagem apurou com integrantes da Polícia Federal, do lado da Venezuela o crime não pode ser combatido, a não ser que os garimpeiros tragam ouro para o lado brasileiro. Mas, para evitar serem punidos por contrabando, parte dos garimpeiros deixa as pepitas na Venezuela, vende para outras pessoas e recebe o dinheiro no Brasil, em uma operação conhecida como dólar-cabo.

Droga, morte e ouro na “economia” do crime

Não há consenso sobre a quantidade de brasileiros em ação no país vizinho: o número varia de 500 a até 5 mil, dependendo da fonte. Os trabalhadores atuam em mais de cem áreas de garimpo ilegais. Três indígenas ouvidos pela reportagem afirmaram que os garimpeiros pagam 30 gramas em ouro a militares venezuelanos por cada máquina instalada. Segundo a ONG SOS Orinoco, com base em depoimentos de indígenas, há atualmente 34 máquinas ativas em sete setores apenas na Serra da Parima.

Reprodução: Google Earth

A exploração de ouro e cassiterita (mineral de onde se extrai o estanho, metal valorizado que é usado em aparelhos eletrônicos) no sul venezuelano traz perdas ambientais e sociais ligadas a uma rede criminosa que inclui, além de militares do Exército corruptos, milícias, “assassinos”, garimpeiros do Brasil, e dissidentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia. “[Os dissidentes das] Farc é que controlam a economia de todos os setores. Portanto, eles são os que controlam absolutamente tudo com propinas”, disse Romel Guzanama, 39 anos, líder indígena morador de Puerto Ayacucho e opositor do presidente Nicolás Maduro.

Em 2017, as Farc deixaram as armas e entraram oficialmente na política, com o partido Fuerza Alternativa Revolucionaria del Común, também chamado de Comunes. Gabriel Angél, membro da direção do partido, negou qualquer relação com os dissidentes. “Somos até considerados inimigos por boa parte de seus comandantes”, disse.

Os ex-guerrilheiros atuam em, pelo menos, duas frentes: cobrando propinas de garimpeiros brasileiros e atuando com narcotráfico, segundo o policial federal Christian Vianna, doutor em Relações Internacionais pela PUC de Minas. “Ali é uma relação ganha-ganha. Se ele [garimpeiro] fosse pagar pelo direito minerário, ele teria que pagar. Ele não paga nada [por isso]. Mas quem cobra [propinas] dele não é o Estado, são as Farc ou a ELN”, disse, referindo-se ao Exército da Libertação Nacional, outro grupo guerrilheiro que atua na região.

O rastro de sangue já é evidente. Em 20 de março, quatro indígenas ianomâmi foram mortos pelo Exército da Venezuela. Segundo a diretora da ONG SOS Orinoco, Cristina Burelli, o conflito foi motivado por causa do sinal de internet, mas, em sua raiz, estava o pagamento de propinas em ouro não entregue aos militares.

O procurador Vladimir Aras, ex-chefe da área internacional da Procuradoria-Geral da República e professor de direito penal da Universidade Federal da Bahia, afirma que é possível combater os crimes cometidos por brasileiros no país vizinho mesmo sem auxílio do governo venezuelano, porque existem acordos multilaterais assinados pelo Brasil.

Se um garimpeiro brasileiro comete corrupção de funcionários públicos venezuelanos, esse brasileiro, estando no Brasil, pode ser processado aqui pelo crime cometido lá”Vladimir Aras, procurador do MPF

Um exemplo aconteceu em maio. Garimpeiros que assassinaram policiais e tentaram matar outras 22 pessoas na Guiana Francesa foram condenados no Brasil. Um deles pegou 130 anos de prisão.

Helicóptero de brasileiro

Imagens mostram a ação dos brasileiros nas proximidades da Serra de Parima, área ianomâmi venezuelana, nas nascentes do rio Orinoco, com helicópteros registrados no Brasil (veja vídeo). Há ainda relatos de ação de garimpeiros que saem do Brasil em outras áreas no sul da Venezuela.

Uma das aeronaves era um Robinson R44-II, com capacidade para três passageiros. Seu proprietário, o empresário da construção José Kilson Sousa desde junho de 2021.

Por telefone, ele disse à reportagem que alugou o helicóptero para “uma empresa”. Questionado sobre o fato de a aeronave estar em área ianomâmi venezuelana, Kilson disse que o plano de voo foi descumprido.

Imagem: Reprodução/UOL

Ela estava alugada, realmente no meu nome. O pessoal lá, foram fazer isso, não me falaram que era isso. Me falaram que o plano de voo não era esse. Fizeram sem meu consentimento” Kilson Sousa, dono de helicóptero

Morador de Boa Vista, Kilson afirmou ter processado a empresa que alugou seu helicóptero e que, hoje, a aeronave está fora de operação porque acabou destruída em outra viagem. Os registros da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) informam que a aeronave está proibida de atuar como táxi aéreo, com certificado de aeronavegabilidade cancelado desde 2016.

Destruição ambiental

A criminalidade não é o único problema causado pela mineração ilegal. A exemplo do que ocorre no Brasil, a invasão de garimpeiros tem levado à destruição do meio ambiente na Amazônia venezuelana — com desmatamento e poluição de rios —, conforme relatos de indígenas venezuelanos.

“Estão destruindo a biodiversidade, matando tudo o que há, água, terra, contaminando, queimando toda a floresta Amazônica. Não há controle.” Romel Guzanama, líder indígena e deputado venezuelano.

Imagem: Eduardo Militão

Ianomâmis que moram na região da Serra de Parima, falaram sob anonimato, sobre o aumento de brasileiros na região nos últimos dois anos, embora a presença de garimpeiros do Brasil ocorra desde, pelo menos, 1993.

Júlio (nome fictício), 33 anos, e dois amigos dele trabalham como agricultores na comunidade de Parima B. Os três contaram que estão preocupados com o derramamento de mercúrio nos rios. “Onde vamos comer peixe se eles contaminam tudo?”, afirmou Júlio.

Imagem: Mickey Véliz/UOL

Ainda no lado brasileiro, o vice-presidente da associação Hutukara Yanomami, Dario Kopenawa, contabiliza 600 denúncias feitas. “As pessoas que extraem outro na terra ianomâmi têm que ser presas”, afirmou. “Eles estão cometendo crime ambiental, entrando em território demarcado, destruindo o meio ambiente. A legislação tem que ser cumprida.”

Garimpeiro é marginalizado, afirma associação

Apesar dos relatos de aumento de garimpeiros brasileiros na Venezuela, a presidente da Agirr (Associação dos Garimpeiros Independentes de Roraima), Isa Carine Farias, nega que isso esteja ocorrendo. “Ninguém vai sair do seu país para ser maltratado em terras alheias”, afirmou.

Filha de garimpeiros, a mulher de 33 anos diz que atualmente acontece justamente o oposto. “A comida e a logística se tornam impossíveis. Pelo contrário, estão emigrando para cá por conta da crise alimentar de lá e trazendo suas famílias de volta.”

Isa não soube dizer quantos trabalhadores atuam de forma ilegal em áreas venezuelanas, mas disse estimar que existam de 28 mil a 30 mil trabalhadores de mineração em Roraima — a maioria atuando em áreas ilegais.

“Garimpeiro não é bandido”, diz lema da associação de Isa Carine. Imagem: Reprodução/Instagram/@Agirrgarimpeirosrr

Via UOL Notícias

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