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Como atirador de Illinois, homens jovens são novo padrão perturbador em ataques nos EUA

Especialistas consideram a faixa dos 15 aos 25 anos arriscada para jovens do sexo masculino, por estarem no meio de mudanças de desenvolvimento e de pressões sociais que podem levá-los à violência.

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Os dois jovens acusados de realizar os massacres em Buffalo e Uvalde e o suspeito pelo ataque em Highland Park, nos EUA, seguiram um caminho familiar: eles compraram legalmente rifles semiautomáticos logo após completarem 18 anos, postaram imagens destinadas a mostrar sua força — e depois voltaram essas armas contra pessoas inocentes.

À medida que investigadores e pesquisadores determinam como as tragédias se desenrolaram, a idade dos acusados emerge como um fator chave para entender como adolescentes foram levados a adquirir tal poder de fogo mortal e como isso os levou a ataques a tiros em massa.

Eles se encaixam em uma faixa etária crítica — de 15 a 25 anos — que policiais, pesquisadores e especialistas consideram uma encruzilhada perigosa para os homens jovens, um período em que estão no meio de mudanças de desenvolvimento e pressões sociais que podem levá-los à violência em geral e, nos casos mais raros, fuzilamentos em massa.

Seis dos nove ataques a tiros em massa mais mortíferos nos Estados Unidos desde 2018 foram cometidos por pessoas com 21 anos ou menos, representando uma mudança. Antes de 2000, os ataques eram mais frequentemente iniciados por homens na faixa dos 20, 30 e 40 anos.

— Vemos dois grupos quando se trata de atiradores em massa, pessoas na faixa dos 40 anos que cometem ataques no local de trabalho e um grupo muito grande de jovens, de 18, 19, 20, 21 anos, que parecem ser apanhados no contágio social de violência — disse Jillian Peterson, professora de Justiça Criminal que ajudou a fundar o Projeto Violência, que mantém um banco de dados nacional abrangente de ataques a tiros em massa.

Não há uma explicação única e fácil do porquê jovens são mais propensos a se envolver em ataques do tipo — meninas e mulheres representam uma pequena porcentagem de todos os perpetradores. Mas muitas das causas citadas com mais frequência por policiais e acadêmicos parecem intuitivas: bullying online, o marketing cada vez mais agressivo de armas para meninos, leis estaduais frouxas sobre armas e estatutos federais que tornam legal a compra de uma armas de cano longo e semiautomáticas aos 18 anos.

Os ataques ocorrem em um cenário de agravamento da crise de saúde mental dos adolescentes, que antecedeu a pandemia, mas foi intensificada por ela. Grande parte do desespero entre adolescentes e jovens adultos foi direcionado para dentro, com taxas crescentes de automutilação e suicídio. Nesse sentido, os perpetradores de ataques a tiros em massa representam uma minoria extrema de jovens, mas que, no entanto, exemplifica tendências mais amplas de solidão, desesperança e o lado mais sombrio de uma cultura saturada por mídias sociais e conteúdo violento.

Além dos ataques mais recentes, houve um caso em um supermercado em Boulder, Colorado, em março de 2021, que a polícia disse ter sido realizado por um homem de 21 anos; um massacre pelo que as autoridades disseram ser um homem armado de 21 anos mirando clientes de origem hispânica em um Walmart em El Paso, em agosto de 2019, que resultou em 23 mortes; um tiroteio em uma escola em Santa Fe, no Texas, no qual um estudante de 17 anos é acusado de matar oito alunos e dois professores, em maio de 2018; e o assassinato de 17 pessoas na Marjory Stoneman Douglas High School em Parkland, Flórida, em fevereiro de 2018, por um ex-aluno de 19 anos.

Apenas dois dos 30 ataques a tiros em massa mais mortais registrados de 1949 a 2017 envolveram homens armados com menos de 21 anos: o primeiro foi o massacre de 13 pessoas por dois adolescentes na Columbine High School em 1999, e o segundo ocorreu quando um jovem de 20 anos matou 27 pessoas, a maioria crianças, na Sandy Hook Elementary School, em Newtown, Connecticut, em 2012.

Um ataque na quarta-feira em Tulsa, Oklahoma, no qual um atirador matou quatro pessoas e feriu várias outras antes de aparentemente tirar a própria vida, desafiou o padrão recente. A polícia disse acreditar que o atirador, que não foi identificado, tinha entre 35 e 40 anos.

Frank T. McAndrew, professor de psicologia do Knox College que estuda ataques a tiros em massa, disse que quase todos os jovens assassinos que ele pesquisou foram motivados pela necessidade de se provarem.

— São caras jovens que se sentem perdedores e têm uma vontade esmagadora de mostrar a todos que não estão por baixo — disse ele. — No caso do atirador de Buffalo, tratava-se de tentar impressionar a comunidade de racistas que ele cultivou online. No caso do garoto de Uvalde, tratava-se de voltar ao lugar onde você se sentiu desrespeitado e agir com violência.

Jillian Peterson acrescentou:

— E desde Columbine, eles tendem a estudar e imitar um ao outro. É um problema crescente.

Em quase todos os casos, as mídias sociais ou plataformas interativas de jogos online desempenharam algum papel, refletindo a onipresença da cultura jovem online nas últimas duas décadas.

No final dos anos 1990, no início da era da mídia social, um dos atiradores de Columbine criou um blog na AOL para detalhar seus pensamentos violentos.

O estudante universitário de 22 anos que assassinou seis pessoas em Santa Bárbara, Califórnia, em 2014, ofereceu uma das expressões mais diretas da mentalidade de um atirador em um vídeo postado no YouTube: a arma, disse ele, lhe deu uma sensação de potência.

O atirador de Buffalo, imitando o terrorista anti-muçulmano de 28 anos que massacrou 51 pessoas em Christchurch, Nova Zelândia, três anos atrás, transmitiu ao vivo enquanto matava metodicamente clientes porque eram negros. O homem acusado dos assassinatos em Uvalde usou o Yubo, uma plataforma relativamente nova, para compartilhar mensagens ameaçadoras nas quais parecia telegrafar seus planos.

— É uma maneira de se mostrar — disse Titania Jordan, da Bark Technologies, uma empresa de segurança online que monitora o uso de plataformas para conteúdo violento. — É uma forma deles mostrarem força se forem intimidados ou deixados de fora. É apenas uma parte da narrativa agora em todos esses casos, sempre há um componente de mídia social.

Comportamento agressivo e impulsivo

Há também um fator biológico. Os cientistas sabem há muito tempo que o período da adolescência e pós-adolescência é um momento crítico para o desenvolvimento do cérebro e, para a maioria dos adolescentes, muitas vezes caracterizado por comportamento agressivo e impulsivo. As meninas da mesma idade, ao contrário, têm maior controle sobre seus impulsos e emoções.

No geral, meninos e homens jovens respondem por metade de todos os homicídios envolvendo armas de fogo, ou qualquer outra arma, em todo o país, uma porcentagem que vem aumentando constantemente. Exatamente 50% de todos os assassinatos em 2020, o último ano em que há dados abrangentes disponíveis, foram cometidos por agressores com menos de 30 anos, de acordo com o sistema uniforme de rastreamento de dados criminais do FBI.

Ataques a tiros em massa, definidos pela maioria dos especialistas como envolvendo a morte de mais de quatro pessoas, são raros; tiroteios na escala de Buffalo e Uvalde, com mais de 10 vítimas, são ainda menos comuns. Cerca de 99% de todos os tiroteios no país que envolvem menos vítimas são resultado de crimes ou disputas pessoais e são motivados por drogas, conflitos de gangues, violência doméstica e disputas pessoais, segundo estatísticas compiladas pelo governo federal e acadêmicos.

— Por que há um número desproporcional de crimes cometidos por homens no final da adolescência e início dos 20 anos? — perguntou Laurence Steinberg, professor de psicologia e neurociência da Temple University, que trabalhou extensivamente em questões que envolvem o desenvolvimento do cérebro adolescente.

A explicação, disse ele, inclui a neurobiologia cada vez mais bem compreendida da adolescência. Durante a adolescência, desenvolve-se uma “enorme incompatibilidade” entre as partes do cérebro que causam comportamento impulsivo e sensibilidade emocional e outras partes do cérebro que regulam a atuação desses impulsos, disse Steinberg.

Os homens, ele acrescentou, normalmente tendem a ter um pico ainda mais alto e mais rápido de excitação, enquanto as mulheres veem um pico mais alto de regulação em uma idade mais precoce — e, portanto, “em todas as idades, os homens buscam mais sensações”.

O auge dessa incompatibilidade tende a ser no final da adolescência ou início dos 20 anos.

— Os sistemas regulatórios começam a acompanhar os impulsos, e você tem essa melhora gradual na capacidade de controlar pensamentos, emoções e comportamentos em curso no início dos 20 anos — acrescentou Steinberg.

As mudanças no desenvolvimento do cérebro são acompanhadas pela desorientadora passagem social de menino para homem, com toda a turbulência que isso acarreta até em meninos saudáveis. Existem “grandes diferenças na socialização de homens e mulheres relacionadas ao comportamento agressivo, formas apropriadas de buscar apoio, como demonstrar emoções e aceitabilidade do uso de armas de fogo”, disse Sara Johnson, professora de pediatria da Escola de Medicina da Universidade Johns Hopkins.

Os homens jovens estão “quase universalmente” em transição “em seus relacionamentos, situações de vida, estilos de vida, educação, ocupação”, enquanto “ao mesmo tempo, eles têm autonomia substancial em relação aos adultos em suas vidas e podem se encontrar negociando com pouco apoio ou supervisão”, explica Sara.

No entanto, o que diferencia os assassinos em massa de outros jovens que não agem de acordo com esses impulsos é difícil de definir e ainda mais difícil de combater: a loucura. Ainda assim, a grande maioria dos jovens com transtornos mentais, mesmo graves, nunca comete atos de violência. Eles são mais propensos a serem vítimas, ou se machucarem impulsivamente, do que a planejar meticulosamente a violência contra os outros.

Os republicanos, contrariando os pedidos dos democratas por controles de armas mais rígidos, empenharam-se em melhorar a segurança das escolas e modernizar os serviços de saúde mental após os recentes massacres.

Eles também estão resistindo aos esforços dos democratas do Congresso para aumentar a idade legal para comprar um fuzil semiautomático de 18 para 21. Um juiz federal nomeado pelos republicanos recentemente derrubou a tentativa da Califórnia de aumentar a idade. O estado recrutou Steinberg e outros especialistas para dar o embasamento científico para manter essas armas fora das mãos de adolescentes.

Seus argumentos não prevaleceram. “A América não existiria sem o heroísmo dos jovens adultos que lutaram e morreram em nosso exército revolucionário”, escreveu em um parecer o juiz Ryan Nelson, falando por uma maioria de dois para um no Tribunal de Apelações do Nono Circuito dos EUA, em 11 de maio, três dias antes do caso de Buffalo.

Com poucas salvaguardas políticas, os profissionais de saúde mental e as autoridades locais foram deixados para identificar e deter potenciais atiradores, com sucesso desigual.

Em 2018, a polícia prendeu dois meninos, de 13 e 14 anos, depois de receber uma denúncia pouco antes do aniversário do tiroteio em Columbine. Os adolescentes planejavam atacar uma escola em Uvalde e queriam assaltar a casa de um vizinho para obter armas. O acusado do massacre de Uvalde não estava envolvido nessa trama.

Ao longo dos anos, Jill H. Rathus, terapeuta em Great Neck, NY, viu sua parcela de jovens que pareciam ser um perigo para si mesmos ou para os outros, incluindo um cuja mãe temia que seu filho se tornasse um atirador. Ele não se tornou.

Jill e outros especialistas alertaram que existem grandes diferenças entre comportamento suicida e homicida, mas ela também disse que viu algumas sobreposições em certos sentimentos que contribuíram para crescentes atos de violência dirigidos a si mesmo e aos outros.

— Há uma incrível sensação de desespero doloroso mais desesperança, e então há uma sensação de falta de conexões significativas — disse Jill. — Então há acesso a meios letais, esse é o centro.

Em 2006, McAndrew e dois de seus colegas começaram a testar o efeito das armas no comportamento de homens jovens, monitorando os níveis de testosterona e os sinais de agressão, em 30 estudantes universitários do sexo masculino quando receberam um brinquedo infantil e uma arma de fogo real.

— A presença de uma arma mudou o comportamento deles significativamente —, disse ele. — Apenas segurar uma arma lhes deu coragem.

Por Glenn Thrush e Matt Richtel, The New York Times — WASHINGTON

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