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Cientistas veem “risco iminente” de varíola dos macacos chegar ao Brasil

Nessa semana, foi divulgada a primeira análise filogenética do genoma do vírus da "varíola dos macacos".

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Cientistas brasileiros formaram uma comissão para acompanhar os casos de varíola dos macacos, que têm se espalhado pelo mundo nos últimos dias. O avanço da doença deixou cientistas em alerta, já que é o maior número de casos visto fora da África —o que sugere uma cadeia de transmissão atípica.

A Câmara Técnica Temporária é coordenada pela RedeVírus do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações) e os sete cientistas vão montar um plano para estruturar a rede de saúde para quando os primeiros casos surgirem no Brasil. “Temos condições de detectar esse vírus. Por enquanto, não temos motivo para pânico”, diz a virologista Giliane Trindade, que faz parte do grupo.

“A gente está vendo o perfil de disseminação desse vírus por países da Europa, já chegou aos Estados Unidos, ao Canadá, em Israel. Então existe um risco iminente da entrada dele no Brasil”, afirma Trindade, que é professora e pesquisadora do Instituto de Ciências Biológicas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e especialista em poxvirus (tipo de vírus que, em vertebrados, causa erupções cutâneas).

Até a noite de ontem (20), segundo documento compartilhado pelos países, havia 143 de casos notificados, entre suspeitos e confirmados —a maioria deles em Portugal, Espanha e Reino Unido. Entretanto, Israel, Austrália e Estados Unidos, fora do continente europeu, também já têm casos registrados.

Também ontem, a Alemanha informou o primeiro caso da varíola dos macacos —um brasileiro.

O tipo de vírus

A família Poxviridae (poxvírus) compreende vírus que infectam animais invertebrados e vertebrados. Neste grupo, o mais notório membro é o do vírus da varíola.

“Dentro da família de vários gêneros, esses vírus se destacam pela sua capacidade de infectar o ser humano e outros animais, assumindo uma importância para a medicina humana e veterinária”, diz Andrade.

O vírus zoonótico (ou seja, pula do animal para o ser humano) circula há pelo menos 50 anos na África, onde é considerado endêmico.

A monkeypox é uma doença que ocorre principalmente em áreas de floresta tropical da África Central e Ocidental e ocasionalmente é exportada para outras regiões. Casos já foram diagnosticados em outros continentes, mas sempre importados.

Segundo explicou a OMS (Organização Mundial de Saúde) em comunicado na quarta-feira (18), três casos no Reino Unido chamaram a atenção porque apontam que a infecção “parece ter sido adquirida localmente no Reino Unido”.

“A extensão da transmissão local não é clara nesta fase e existe a possibilidade de identificação de outros casos”, informou a entidade.

Os primeiros casos relatados de transmissão no surto atual na Europa ocorreram por relação sexual entre homens que foram infectados. A via sexual é uma das hipóteses de transmissão, que passa por contato com secreções de pessoas infectadas.

“Na África, o maior gatilho de transmissão é o contato com os animais silvestres, principalmente pela caça. A população vai à zona silvestre para pescar, caçar, e entra em contato com animais, e nessas comunidades se inicia uma cadeia de transmissão”, diz Trindade.

Grupo menos virulento

Na quinta-feira (19), foi divulgada uma primeira análise filogenética do genoma do vírus, feita com amostra de um paciente infectado de Portugal. O resultado aponta que “o vírus de 2022 pertence ao clado da África Ocidental e está mais intimamente relacionado com vírus associados à exportação do vírus da varíola dos macacos da Nigéria para vários países em 2018 e 2019”.

Segundo Trindade, a descoberta foi uma boa notícia. “Esse vírus que está na Europa pertence a esse clado [grupo de monkeypox] que é considerado menos virulento. São dois clados, e o mais virulento é o que está na bacia do Congo”, aponta.

Para ela, ainda é cedo para saber se houve alguma mutação do vírus que explique um comportamento diferente na transmissão para humanos.

Esse vírus tem uma estabilidade genética muito maior que o da covid-19, da dengue ou da gripe. Mutações podem ocorrer, mas ainda é muito preliminar. Digo isso porque esse tipo de análise ainda não foi feita.”Giliane Trindade, virologista

Mesmo considerando que o vírus chegar ao país deve ser questão de tempo, ela diz que não há motivo para a população se assustar. “Esse grupo [do MCTI] foi organizado para ter uma rede de especialista estruturada. A gente tem condição de responder. A gente está atento, essa é a mensagem principal”, afirma.

Segundo o virologista Fernando Spilki, da Universidade Feevale (RS), os casos que estão sendo notificados na Europa estão se comportando como “algo fora da curva” para o monkeypox e, por isso, a situação requer atenção.

“Ainda é um pouco incerto o que está ocorrendo, porque são cadeias de transmissão com um comportamento atípico desses vírus, especialmente esse monkeypox, que normalmente não tem —ao longo de tempo— a disseminação que está tendo agora”, diz ele, que também está na comissão.

A varíola e os sintomas

A varíola humana foi considerada erradicada do mundo em 8 de maio de 1980, pela OMS (Organização Mundial de Saúde). A doença, ao longo de décadas, foi uma das maiores causadoras de mortes no mundo. Só nos 80 anos do século passado em que circulou, foram 300 milhões de óbitos.

Entretanto, a varíola dos macacos nunca saiu de circulação.

A infectologista e professora da Doenças Tropicais da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) Vera Magalhães, afirma que o monkeypox é um vírus da mesma família do da varíola humana e foi descoberto ainda na década de 1950 em animais, principalmente primatas não humanos.

“Mas também há monkeypox em outros roedores e mamíferos, que podem ser reservatórios desse vírus”, diz.

A primeira evidência de transmissão em humanos desse vírus, diz, ocorreu em 1970, quando ainda havia a circulação da varíola no mundo. “Ela ocorreu na África e até hoje causa infecção humana no continente, principalmente em pessoas que tiveram contato com animais”, relata.

Não é a primeira vez que ocorre um surto fora da África. Vera conta que, em 2003, cerca de 40 casos foram registrados em pessoas que tiveram contato com cães-da-padrarias que foram domesticados nos EUA. Por sua vez, esses animais tiveram contato com pequenos roedores importados da África.

Na África, a literatura fala que a doença mata uma em cada 10 pessoas. Nos EUA temos dados mais otimistas, mas não temos essa estatística em número relevante. Ainda é difícil prever o que vai ocorrer exatamente.”Vera Magalhães, infectologista

Vera conta que a transmissão desse vírus, diferente do coronavírus, por exemplo, ocorre por gotículas respiratórias, mas não por aerosol. “Ou seja, é preciso de um contato mais íntimo. Ela é comum em veterinários e cuidadores de animais que têm contato com alguma secreção, ou quando levam um arranhão ou mordida.”

Sobre sintomas, Vera Magalhães diz que não há muita diferença da varíola humana. “O período de incubação vai de cinco a 21 dias, e começa com febre, mialgia [dor muscular], cefaleia [dor de cabeça] —como qualquer infecção. De um a três dias, começa o rash macular [manchas na pele], depois vão virar pápulas [espinhas] e em seguida as vesículas [que evoluem para virarem feridas] bem características da varíola”, relata.

A OMS apontou que as vacinas usadas durante o programa de erradicação da varíola forneceram proteção contra a varíola dos macacos. “Um agente antiviral desenvolvido para o tratamento da varíola também foi licenciado para o tratamento da varíola dos macacos”, diz a entidade.

Por UOL Notícias

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