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Ativistas indígenas “desconstroem” o descobrimento do Brasil

Quatro mitos em torno do 22 de abril permanecem mais ou menos vivos na narrativa histórica, mas precisam ser revistos com urgência.

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Alguns livros de histórias marcam o 22 de abril como o Descobrimento do Brasil. De forma romantizada, eles narram a chegada da caravana de Pedro Álvares Cabral a uma terra desconhecida em 1500, acompanhado do português Pero Vaz Caminha, autor da primeira carta relatando o Descobrimento, e dos religiosos que rezariam a famosa primeira missa. Mas, para indígenas, essa terra já tinha nome: Pindorama. E não estava sendo descoberta, mas invadida.

Mito número 1: o descobrimento

“Não tem porque se falar em descobrimento. Foi um erro de percurso que acabou em genocídio, etnocídio, invasão, estupro e diversas outras violências contra os povos nativos de Pindorama”, explica a chef de cozinha Deborah Martins, 27 anos, indígena do povo Pataxó e criadora do @alecrimbaiano. Pindorama era o nome do que veio a se chamar Brasil.

“A única coisa que os colonizadores descobriram”, continua Deborah, “foi uma terra habitada por diversos povos diferentes, com diversos idiomas diferentes, com várias habilidades de comunicação, vivendo em harmonia com a natureza, desenvolvendo técnicas de caça, pesca, culinária e passando todos esses conhecimentos por gerações e mais gerações, e resolveram que era uma terra de ninguém que deveria ser violentamente explorada da forma que foi”.

Mito número 2: a conquista

No primeiro episódio da série documental Guerras do Brasil.doc, disponível na Netflix, o filósofo Ailton Krenak, autor de “Ideias para Adiar o Fim do Mundo”, resume esse momento histórico: “[Os europeus] chegaram aqui famélicos, doentes e o Darcy Ribeiro diz que eles fediam. Quer dizer, baixou uma turma na nossa praia que tava simplesmente podre”, conta.

“Durante muito mais que 100 anos, o que os índios fizeram foi socorrer brancos flagelados chegando na nossa praia”, completa no documentário.

A estudante de biomedicina Bruna Kariú, 23 anos, indígena do povo Kariú-Kariri, tampouco vê qualquer motivo para as tintas épicas com que se pintam o descobrimento. “Violentaram a nossa cultura, nosso sagrado, fizeram de nós inferiores e nos catequizaram”.

“Desde 1500 até hoje muitos dos meus ancestrais foram mortos. Minha família sofreu muitas migrações para que pudessem sobreviver”, diz, lembrando que o Piauí, região que concentra a maioria dos indígenas Kariú-Kariri, só teve a sua primeira terra demarcada em 2021. “Mesmo assim seguimos resistindo, nas aldeias, na cidade, em todos os lugares”.

Mito número 3: a “colaboração” indígena

Deborah critica antropólogos e indigenistas brancos que dizem que os indígenas do nordeste se “venderam à colonização” e acabaram por perder as próprias identidades por influência da colonização.

“A verdade é que nossa cultura se disseminou tanto que não existe um canto no nordeste, principalmente nos interiores, onde não exista uma fortíssima influência indígena. Seja na comida, seja nos rituais, seja nos costumes religiosos, na cultura de forma geral”, argumenta. “Mas resistimos. E não é uma roupa, um celular, uma casa ou um carro que vai nos enfraquecer culturalmente a ponto de deixarmos de ser quem somos. 522 anos de resistência contam muito mais do que essas superficialidades”.

Mito número 4: a pacificação

Para Bruna Kariú, quando falamos de violência contra os povos originários sempre falamos no passado, mas ela é mais atual do que gostaria que fosse. “Toda semana a notícia de que terras indígenas foram invadidas, que foram atacadas por grileiros, garimpeiros, madeireiros, que crianças vêm sofrendo abusos e sendo mortas”, lamenta.

Por isso, “tomar a frente de nossas narrativas é questão de sobrevivência para que tudo que foi tirado de nós e tudo que estamos retomando permaneça”. Bruna faz um pedido: “Não romantizem a colonização, não suavizem a invasão e muito menos o colonizador. Pindorama é terra indígena. O Brasil é terra indígena”.

Para Deborah, nascida no extremo sul da Bahia, primeiro território invadido pelos colonizadores, enquanto pessoas não-indígenas continuarem acessando a história dos povos indígena pelo olhar de pessoas não indígenas “vamos continuar vivendo um 1500 todos os dias”.

Por Terra Notícias

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