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Angústia coletiva, burnout: os efeitos da pandemia na saúde dos professores

Debate abordou adoecimento físico e mental que atinge os docentes do ensino superior privado ante o isolamento e o retorno à presencialidade.

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O painel Os impactos da pandemia e das relações institucionais na saúde física e mental dos professores, promovido na quarta-feira, 20, pelo Sinpro/RS, Sinpro Caxias e Sinpro Noroeste abordou as adversidades enfrentadas pelos professores da educação superior privada durante o período de isolamento e na retomada das atividades presenciais.

O debate contou com exposição da psicóloga e consultora em Gestão de Pessoas, Melina Berthier Bandeira Pankush, que apresentou uma análise sobre o adoecimento dos professores a partir dos dados da pesquisa realizada pela consultoria FlamingoEDU, de 18 a 25 de março, que aferiu as condições de trabalho e o seu impacto na vida dos professores que atuam nas instituições de educação superior (IES).

Tema do painel A realidade docente 2022, apresentado no dia 18, o estudo apontou que as condições física e mental da categoria pioraram no primeiro semestre de 2022 em comparação a 2021, no auge da pandemia e constatou o sentimento de desvalorização profissional e baixa motivação no trabalho.

Angústia coletiva

“A pandemia trouxe um estado de angústia coletiva”, afirma a psicóloga Melina Pankush Foto: Sinpro/RS/Reprodução

Graduada em Psicologia pela Universidade de Passo Fundo (UPF), com pós graduação em gestão de equipes de alto desempenho pelo Senai/SC e especialização em gestão de pessoas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Melina explicou que, com a pandemia, enquanto as atenções de algumas pessoas se voltaram para os impactos da economia, outros se voltaram para saúde mental que foi tão impactada quanto a economia no mundo inteiro, em todos os setores.

“A pandemia trouxe um estado de angústia coletiva”, constatou a psicóloga, que elencou os principais sintomas desse fenômeno: apatia, irritabilidade distúrbio de apetite, insônia, sensação de cansaço. “Dados da OMS na pré-pandemia mostram que a ansiedade e a depressão triplicaram durante a pandemia. O Instituto Albert Einstein comprovou que houve um aumento da ansiedade e da depressão na população em geral”, acrescentou.

Durante o isolamento, houve uma grande procura por terapia. Os pacientes, trouxeram muitas questões voltadas para o isolamento e com uma causa muito obvia dentro dos consultórios: poucas pessoas conseguem lidar com dificuldades econômicas, com o medo da doença, com a adaptação a uma nova da vida, as mudanças no cotidiano e no seu contexto em função do isolamento, as perdas. E o retorno também provocou transtornos, explicou.

“A consequência disso tudo, com o retorno ao presencial, à normalidade, muitos profissionais estão questionando e muitas vezes até rejeitando esse retorno, porque teve todo um processo de adaptação. E no momento em que as pessoas montam toda uma estrutura de trabalho em casa, o ato de voltar à normalidade e ter que se readaptar gera algum sofrimento”.

Ansiedade e estresse

Lidar melhor com a ansiedade, o estresse e as emoções desagradáveis é um dos principais desafios que envolvem a saúde mental dos professores, porque a atividade docente exige muita atividade mental, aponta. “Não conheço um professor que apenas execute. Ele precisa pensar na sua aula, estruturar. Se não forem bem manejados, esses fatores vão gerar um grande desgaste e vão repercutir tanto na saúde física quanto emocional. E obviamente isso vai afetar o desempenho profissional”, explica.

Durante a pandemia, a substituição da modalidade de aulas presenciais pela on-line ocasionou uma diminuição da carga horária com um aumento da carga de trabalho, que também gerou aumento da ansiedade e do estresse.

“Os professores tiveram que desenvolver novas habilidades em um curto espaço de tempo. O trabalho muitas vezes num ambiente improvisado que precisava ser conciliado com as rotinas domésticas e com as necessidades da família e na sua grande maioria sem receber o suporte adequado por parte da instituição”, ilustra.

Fatores como as cobranças administrativas, a falta de preparação para essas transformações, a tecnologia, geraram graves problemas para a saúde física e mental desses educadores. “Diante da necessidade de se reinventar, os professores tiveram a sua saúde abalada por esses desafios que foram impostos dentro de um determinado cenário, mantendo, obviamente, o mesmo resultado”, constata Melina.

Burnout, exaustão emocional

Fatores como as cobranças administrativas, a falta de preparação para essas transformações, a tecnologia, geraram graves problemas para a saúde física e mental dos educadores Foto: Pexels

Em todas essas alterações e adaptações, explica a psicóloga, surgiu o que a OMS, a partir deste ano, classificou como doença ocupacional, que foi a síndrome de burnout. “O termo burnout significa aquilo que deixou de funcionar por completa falta de energia e simbolicamente é aquilo ou aquele que chegou ao seu limite, com grande comprometimento físico ou mental”.

O processo se inicia com prolongados e excessivos níveis de estresse, uma tensão muito grande no trabalho. “Os principais fatores para desenvolver o burnout são o excesso de burocracias, a falta de autonomia, a falta de confiança, a impossibilidade de crescimento e de uma melhora na sua remuneração e o cúmulo de tarefas por uma mesma pessoa”, enumera.

Segundo Melina, os fatores principais, o que mais aparece dentro do burnout é a exaustão emocional, que abrange diversos sentimentos como a desesperança, a solidão, a depressão, raiva, irritabilidade, tensão, dores de cabeça, tensão muscular, distúrbios do sono.

“A psicóloga Luciane Araújo utiliza uma tradução para burnout com a qual eu concordo: ‘é o afeto convertido em dor física’. Freud já chamava isso de processo de somatização. Quando a gente tem alguma questão vinculada aos nossos pensamentos, aos nossos sentimentos que são reprimidos, a gente tende a manifestar isso numa dor física. E o burnout nada mais é do que a somatização de questões que tentamos resolver internamente e não conseguimos”, conceitua.

Saúde emocional em dia

“O desgaste emocional dos professores é um sintoma que traz consequências muito pesadas para a vida do profissional e ele, na minha visão, deve ser visto como uma questão de saúde pública”, ressaltou a painelista. Em um contexto de pandemia, explicou, é necessário tentar entender a problemática que está relacionada à saúde mental. “Ela não é pessoal, é um problema social que demanda muitas ações coletivas”.

Contar com uma rede de apoio facilita muito para manter a saúde emocional em dia, destaca. “Nem todos os dias a gente acorda cem por cento, superalegre, todos temos momentos bons e momentos ruins. A grande questão é que quando a nossa mente não está num estado funcional, essas questões começam a ficar diárias: todos os dias eu não estou bem, em momento algum eu consigo estar bem”, exemplifica. Esses gatilhos ocorrem quando o contato interpessoal falhou em algum momento.

Desarmando os gatilhos

“Para manter os professores engajados e satisfeitos, a gestão escolar precisa estar muito atenta. Cabe a ela agir para reduzir esses gatilhos que atacam a saúde mental. Na vida, seja ela pessoal ou profissional, a melhor maneira de a gente com essas adversidades é fortalecendo a nossa inteligência emocional e a saúde mental, o que durante a pandemia para diversas pessoas foi muito difícil por não saber o que viria a acontecer. Muitos perderam pessoas próximas e não conseguiram nem se despedir”.

O papel das instituições

A saúde precisa ser cuidada de uma forma preventiva, não apenas em caso de desordens e o mesmo vale para a saúde mental, sinaliza a psicóloga. “E uma boa saúde mental permite que as pessoas façam uso das suas habilidades de uma maneira muito produtiva. Uma pessoa que está bem consigo mesma vai produzir mais”, deduz.

“Nesse ponto a gente entra numa relevante questão: como é que as instituições podem contribuir para a saúde física e mental dos seus professores?”, indaga ela. Um primeiro ponto – não só para as instituições de ensino mas para qualquer empresa – é criar um ambiente de trabalho saudável, proporcionar um ambiente inovador, que seja acolhedor, aberto, recomenda.

“As pessoas se sentem muito mais estimuladas a compartilhar suas ideias, momentos e opiniões em um ambiente aberto. Dentro das instituições de ensino, o principal fator é ouvir os professores. Durante a pandemia, se falou muito da saúde do aluno e pouco do que o professor estava fazendo para manter esse aluno saudável dentro de sala de aula. Além da preocupação com a sua saúde, os professores também estavam empenhados com a saúde física e emocional dos seus alunos”, ilustra.

Pressão e motivação

Melina lembra que a motivação profissional está relacionada aos níveis de pressão e excesso de cobrança no trabalho. “Os profissionais que são constantemente pressionados, constrangidos, oprimidos e até ameaçados não sentem motivação para continuar na empresa ou a entregar o seu melhor. Isso torna o ambiente cansativo, pesado e nada produtivo”, conclui.

De acordo com o diretor do Sinpro/RS, Marcos Fuhr, coordenador do debate, o adoecimento é uma constante no relato da categoria aos dirigentes sindicais Foto: Sinpro/RS/Reprodução

Por Extra Classe

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